Duas toneladas de fardo sobre as costas e nenhuma dor. Que tipo de sanidade é essa? As roupas puídas, o tênis rasgado, ossos salientes na cara, só os meus olhos são fortes em mim, e põem medo ou susto nos outros. Não sei o que me matará primeiro, doença, cansaço, fome ou a pura e simples desistência. Mas sinto a minha força mais forte justamente aí (o nome disso é raiva). As pessoas na rua, permanentemente sem assunto, me olham e riem. Têm medo de tudo. Não sabem do esforço que concentro no abdomem para não regurgitar em violência. Jamais matei alguém, e poderia já tê-lo feito muitas vezes, e disso só eu sei. Ando assim na rua, alarmando os caixas da padaria e da farmácia e vigiado sempre pela viatura, e no entanto só penso em livros, filosofia, arte e mulher. Talvez compre uma arma um dia desses e passe nesses lugares, só pra lhes dar razão. Talvez não.
Quanto de hostilidade aderiu à superfície do meu olho e ao muco de minhas narinas, ao meu esperma e à minha bílis, aos músculos do meu maxilar e do abdômem nos últimos dez, quinze anos?
Fui obrigado a mudar do que eu era, me tornei mais seco, áspero, e mais ainda preciso fazer em diante aos vinte e cinco anos de idade.
E manter as putas em recantos do centro, em prédios sujos cheios de ratos, para que os pobres que trabalham em suas empresas, cuidam de suas casas, carros, das suas mulheres e filhos, do seu dinheiro, da sua comida e dos seus drinques, enfiem seus pênis igualmente sujos em suas vaginas esgaçadas como bocas, e atinjam assim um êxtase mesmo que misturado com agonia, deixando tensão/frustração naqueles recipientes assim denominados antes de tomarem seus ônibus para casa, sem fazer nenhuma bobagem, sem fazer nenhum alarde, sem dar tiro em ninguém numa esquina escura de um bairro nobre.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
O bibliófilo misantropo 2 (excertos ex(ego)cêntricos)
Escrever como uma necessidade... Talvez. Os estilhaços de pensamento se proliferam como micróbios na tela do computador, mas sugerem que algo germine, de fato, no mundo? Porque publicar minha perturbação? Mas é a arte o que interessa, o regurgitamento do que foi metabolizado ou a merda seca da produção em série para atender ao mercado... O que se quer é o ócio do escritor, tipo um escriba capitalista? E se eu quiser fazer literatura do que eu preciso? Erudição, banho de imersão no caldo da cultura ocidental viciada, acertar um filão ou uma fatia do mercado, encher de confusões o papel que aceita tudo, ressuscitar um gênero, misturar mais outro, ser o rei de tal ou tal estilo e virar uma cópia de mim mesmo, ajudar os leitores com minhas compulsões, fazendo composições de letras e palavras ajuntadas em frases, linhas, parágrafos, páginas e por fim, um livro. “Eu produzo livros”. Mas quem produz livros é a gráfica e a editora. Como eu me organizo com isso? Mero aprendiz, para quê? Para que meu nome dure mais que eu, minha cidade e meu país? E se eu penetrar o espírito humano, o farei com mais profundidade que o meu vizinho que planta verduras no fundo do pátio (posso querer imortalizá-lo na minha obra...), ou como Pessoa, “é a minha forma de estar só”... E é essa forma de artesanato, oficina da palavra, ferramenta mental do uso da língua em feitiço, ilusionismo que ensaia mundos artificiais, enfeitando-o ou mostrando em carne viva (mas nunca é a Realidade...)
O bibliófilo misantropo
Naquele tempo eu estava começando a gostar mais de livros do que de pessoas, e minha primeira pergunta ao telefone foi como é que eles estavam e a segunda foi se haviam trazido meu livro como havia pedido.
Histórias do mendigo barbudo
“Ah, essa merda toda me cansa”, disse Nega Maluca, pegou suas coisas e atravessou a rua. O trio de boné que ia pela calçada deu risada ao passar pelo mendigo barbudo, dobrou a esquina e ficou de voltar mais tarde, de madrugada, para espancá-lo.
Depois, um velhinho parou em frente ao mendigo barbudo e disse que ele parecia com um homem importante chamado Carlos Marques. O mendigo barbudo pareceu não dar pela presença do velho, que continuava ali em pé como que esperando uma resposta. Os dois ficaram assim por longos instantes, até que o mendigo finalmente se virou para o seu visitante e soltou uma baita gargalhada, que assustou o velhinho. Este saiu tropicando e resolveu que dali por diante nunca mais ia parar pra falar com mendigo.
Depois, um velhinho parou em frente ao mendigo barbudo e disse que ele parecia com um homem importante chamado Carlos Marques. O mendigo barbudo pareceu não dar pela presença do velho, que continuava ali em pé como que esperando uma resposta. Os dois ficaram assim por longos instantes, até que o mendigo finalmente se virou para o seu visitante e soltou uma baita gargalhada, que assustou o velhinho. Este saiu tropicando e resolveu que dali por diante nunca mais ia parar pra falar com mendigo.
Ginecômano
Ela aqui do lado a cinco, sete quadras da minha, e eu aqui sentado fazendo o quê com essas linhas sujas? Hoje não estou perdido inteiro como na maioria das vezes, mas continuo eivado de pensamentos imperfeitos, inundado pela escuridão do mundo e tropeçando nas ruas dessa cidade hostil. É a pobreza da nossa alma, do nosso cotidiano, e eu que desprezei as coisas simples da vida dos meus pais, eu mesmo quero o quê? Cozinho para um e me lembro que um dia tive uma mulher que me amava. Eu jamais a perdoei por isso, e foi isso que não deu certo.
O Estado protege quem tem culpa por isso tudo, e eu, como todos, seria esmagado se tentasse qualquer ato de revolta. Posso ir pelo caminho que nos é aberto nesse sistema porco e ir trabalhar para eles, desde que eu, claro está, fazer com que acreditem que posso lhes render muito mais dinheiro do que o que já ganham, e obrigatoriamente assinando um contrato onde me comprometo a me transmutar em algo diferente do que sou hoje, porque sendo aquele que sou hoje absolutamente não tenho o direito de viver dignamente. Tenho de viver embaixo do capacho da sociedade capitalista, vida de subterrâneo, levar uma vida anônima e sofrer calado e não parar pra pensar, apenas bufar e não levantar a cabeça, e respirar. É, é isso que vou fazer.
O Estado protege quem tem culpa por isso tudo, e eu, como todos, seria esmagado se tentasse qualquer ato de revolta. Posso ir pelo caminho que nos é aberto nesse sistema porco e ir trabalhar para eles, desde que eu, claro está, fazer com que acreditem que posso lhes render muito mais dinheiro do que o que já ganham, e obrigatoriamente assinando um contrato onde me comprometo a me transmutar em algo diferente do que sou hoje, porque sendo aquele que sou hoje absolutamente não tenho o direito de viver dignamente. Tenho de viver embaixo do capacho da sociedade capitalista, vida de subterrâneo, levar uma vida anônima e sofrer calado e não parar pra pensar, apenas bufar e não levantar a cabeça, e respirar. É, é isso que vou fazer.
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