terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Carta aos "Puros"

Ó vós, homens sem sol, que vos dizeis os Puros
E em cujos olhos queima um lento fogo frio
Vós de nervos de nylon e de músculos duros
Capazes de não rir durante anos a fio.

Ó vós, homens sem sal, em cujos corpos tensos
Corre um sangue incolor, da cor alva dos lírios
Vós que almejais na carne o estigma dos martírios
E desejais ser fuzilados sem o lenço.

Ó vós, homens iluminados a neon
Seres extraordinariamente rarefeitos
Vós que vos bem amais e vos julgais perfeitos
E vos ciliciais à idéia do que é bom.

Ó vós, a quem os bons amam chamar de os Puros
E vos julgais os portadores da verdade
Quando nada mais sois, à luz da realidade,
Que os súcubos dos sentimentos mais escuros.

Ó vós que só viveis nos vórtices da morte
E vos enclausurais no instinto que vos ceva
Vós que vedes na luz o antônimo da treva
E acreditais que o amor é o túmulo do forte.

Ó vós que pedis pouco à vida que dá muito
E erigis a esperança em bandeira aguerrida
Sem saber que a esperança é um simples dom da vida
E tanto mais porque é um dom público e gratuito.

Ó vós que vos negais à escuridão dos bares
Onde o homem que ama oculta o seu segredo
Vós que viveis a mastigar os maxilares
E temeis a mulher e a noite, e dormis cedo.

Ó vós, os curiais; ó vós, os ressentidos
Que tudo equacionais em termos de conflito
E não sabeis pedir sem ter recurso ao grito
E não sabeis vencer se não houver vencidos.

Ó vós que vos comprais com a esmola feita aos pobres
Que vos dão Deus de graça em troca de alguns restos
E maiusculizais os sentimentos nobres
E gostais de dizer que sois homens honestos.

Ó vós, falsos Catões, chichibéus de mulheres
Que só articulais para emitir conceitos
E pensais que o credor tem todos os direitos
E o pobre devedor tem todos os deveres.

Ó vós que desprezais a mulher e o poeta
Em nome de vossa vã sabedoria
Vós que tudo comeis mas viveis de dieta
E achais que o homem alheio é a melhor iguaria.

Ó vós, homens da sigla; ó vós, homens da cifra
Falsos chimangos, calabares, sinecuros
Tende cuidado porque a Esfinge vos decifra…
E eis que é chegada a vez dos verdadeiros puros.

(Vinícius de Moraes)

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Pequeno perfil de um cidadão comum (Belchior)

Era um cidadão comum como esses que se vê na rua
Falava de negócios, ria, via show de mulher nua
Vivia o dia e não o sol, a noite e não a lua (d.)
Acordava sempre cedo (era um passarinho urbano)
Embarcava no metrô, o nosso metropolitano...
Era um homem de bons modos:
"Com licença; - Foi engano"

Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que caminha para a morte pensando em vencer na vida
Era feito aquela gente honesta, boa e comovida
Que tem no fim da tarde a sensação
Da missão cumprida (d.)
Acreditava em Deus e em outras coisas invisíveis

Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis
Pois é; tendo dinheiro não há coisas impossíveis (d.)
Mas o anjo do Senhor (de quem nos fala o Livro Santo)
Desceu do céu pra uma cerveja, junto dele, no seu canto
E a morte o carregou, feito um pacote, no seu manto
-Que a terra lhe seja leve

domingo, 13 de dezembro de 2009

Cactus

na multidão
me dou a chance de
de repente explodir um olhar
mais quente, um resgate
de cada corpo anônimo,
para qualquer momento
o açude se fazendo rio
a dança de todos reiniciando
como se ser estático
ser robô produtivo e ser zumbi
fosse apenas uma brincadeira
levada à sério demais
e quando isso demora mais
do que a minha esperança deseja
me planto de propósito
no meio da multidão,
otimista como um cactus

(Ulisses Tavares - O eu entre nós)

Easy Rider - Sem Destino

"Eles não têm medo de vocês, mas do que vocês representam."
"Cara, pra eles só representamos alguém que devia cortar o cabelo."
"Não. Pra eles vocês representam A LIBERDADE."
"E qual o problema? Liberdade é legal."
"É verdade. Só que FALAR dela e VIVÊ-LA são duas coisas diferentes. É DIFÍCIL SER LIVRE QUANDO SE É COMPRADO E VENDIDO NO MERCADO. Mas NUNCA diga a alguém que ele não é livre, porque esse alguém vai tratar de matar e aleijar pra provar que é livre. Eles falam sem parar de liberdade individual, mas quando vêem um indivíduo livre, ficam com MEDO."
"Eu não boto ninguém pra correr de medo..."
"Não. Você é quem corre perigo."

domingo, 29 de novembro de 2009

A Genialidade da Multidão

Há bastante deslealdade, ódio,
violência,
Absurdo no ser humano comum
Para suprir qualquer exército em qualquer dia.
E O Melhor No Assassinato São Aqueles
Que Pregam Contra Ele.
E O Melhor No Ódio São Aqueles
Que Pregam AMOR
E O MELHOR NA GUERRA
–FINALMENTE–SÃO AQUELES QUE
PREGAM
PAZ

Aqueles Que Pregam DEUS
PRECISAM de Deus
Aqueles Que Pregam PAZ
Não têm paz.
AQUELES QUE PREGAM AMOR
NÃO TÊM AMOR
CUIDADO COM OS PREGADORES
Cuidados com os Sabedores.

Cuidado
Com Aqueles Que
Estão SEMPRE
LENDO
LIVROS

Cuidado Com Aqueles Que Detestam
Pobreza Ou Que São Orgulhosos Dela

CUIDADO Com Aqueles Que Elogiam Fácil
Porque Eles Precisam De ELOGIOS De Volta

CUIDADO Com Aqueles Que Censuram Fácil
Eles Têm Medo Daquilo Que Não Conhecem

Cuidado Com Aqueles Que Procuram Constantes Multidões; Eles Não São Nada Sozinhos

Cuidado
Com O Homem Comum
Com A Mulher Comum
CUIDADO Com O Amor Deles

O Amor Deles É Comum, Procura O Comum
Mas Há Genialidade Em Seu Ódio
Há Bastante Genialidade Em Seu
Ódio Para Matar Você, Para Matar
Qualquer Um.

Sem Esperar Solidão
Sem Entender Solidão
Eles Tentarão Destruir
Qualquer Coisa
Que Seja Diferente
Deles Mesmos

Incapazes
De Criar Arte
Eles Não Irão
Compreender Arte

Eles Vão Considerar Sua Falha
Como Criadores
Apenas Como Uma Falha
Do Mundo

Incapazes De Amar Completamente
Eles Vão ACREDITAR Que Seu Amor É
Incompleto
E ELES VÃO ODIAR
VOCÊ

E Seu Ódio Será Perfeito
Como Um Diamante Brilhante
Como Uma Faca
Como Uma Montanha
COMO UM TIGRE
COMO Cicuta

Sua Mais Fina
ARTE
(Charles Bukowski)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

“Grupo Baader-Meinhof” e a “Festa do Balanço Geral” (ou Sinais de Barbárie Próxima)

Um bando no vagão do trem. Batem, dão socos nos bancos, nas portas, fazem o barulho que podem, riem de alguma coisa que os expectadores não sabem. Alguns deles caminham alucinados de um lado para o outro, os outros olham, gritam e guincham. Um puxa o calção do que está mais perto da porta. As mulheres que os acompanham mantém no rosto sorrisos câibricos. Em cada estação que o trem pára, pessoas entram, voltando do trabalho. “Pira-pirá-pirô” é uma das palavras de ordem daquele bando, entre o monte de coisas que gritam, quase tudo tirado de programas de tv. Um espetáculo grotesco. A maioria tem entre 15 e 20 anos, devem ter nascido entre 1989 e 1995. Quem são esses miseráveis, pobres coitados, desgraçados, cuspindo na cara de gente tranquila e normal sua miserável condição? Criaram uma geração de jovens fortemente identificados com o mundo do crime. Em seu linguajar e “ética”, refletem o mundo da cadeia e dos marginais. As periferias tem suas próprias leis, seus próprios heróis.
Um pouco de história. As elites vergaram a espinha da população pobre durante, muito tempo. O povo ficou humilde, dócil, paciente demais. A geração da televisão, internet e crack é mais rápida, e parecem ter, mesmo que vaga, uma noção de onde tudo isso veio. Não se submetem aos pais, cospem na cara deles sua fraqueza. O criminoso tem energia, atitude, não é um bunda-mole.

Pela rua

Pela rua
tantos rostos
tantas cruzes
de longe
todo mundo é igual
mar de gente
indo e vindo
ondas de pensamento
cada um com seus problemas
vida passando
correndo
mar de gente
um
mais um
mais um e mais um
tantos e quantos
parei aqui pra pensar
mas o que que era mesmo?
Nada de mais

Anticivilização

Se quiséssemos educação, teríamos escolas menos parecidas com centros de detenção, salas de aula com 18 a 22 alunos por turma, professor e um estagiário por turma (ideia do Gritti), equipamentos pedagógicos, profissionais bem formados e com tempo para preparar atividades, podendo avaliar satisfatoriamente o desempenho dos alunos. Formaríamos pessoas com sentido de cidadania, politizadas, críticas, providas de senso ético e estético desenvolvidos, dotadas das ferramentas mentais e emocionais necessárias para fazer escolhas e se guiar satisfatoriamente vida afora. Tão aptas a fazer escolhas, que poderiam até, no final das contas, chegar muito perto de organizarem suas vidas numa espécie de atmosfera “feliz”.

Mas não é isso que se quer.

Queremos uma espécie de recreação para crianças e adolescentes dos 6 aos 17 anos de idade. Queremos decoreba, cola, avaliações que nada avaliam. Queremos salas cheias, com 50 alunos, e que eles permaneçam lá 200 dias por ano A QUALQUER CUSTO presos em suas cadeiras. Queremos mantê-los mínima e mediocremente ocupados, apenas para que não fiquem nas ruas. Como recurso, um giz e um quadro-negro, um professor cansado e sem voz, no terceiro turno de trabalho. Queremos preparar massas indisciplinadas para formar um gigantesco exército de reserva, esperando uma vaga para apertar botões, embalar mercadorias, atender telefones, limpar banheiros e parabrisas, encher tanques, varrer o chão, juntar latinhas, adestrar cães. E assim, ninguém pode dizer que este ou aquele governo não cumpre com suas obrigações legais. Eles “dão” educação. A questão é de que tipo, mas essa pergunta ninguém se faz. E a cota do professor? Ah, sim, pois bem, ele é sim, responsável, ele é parte disso. Mas não muito. Muitos são pobres coitados que mal conseguiram completar a metade de seu curso, que mal conhecem as disciplinas que tentarão em vão ensinar. “We don´t need this education”. E só.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Quem morre?

Morre lentamente
quem se transforma em escravo do hábito,
repetindo todos os dias os mesmos trajectos, quem não muda de marca
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece.
Morre lentamente
quem faz da televisão o seu guru.
Morre lentamente
quem evita uma paixão,
quem prefere o negro sobre o branco
e os pontos sobre os "is" em detrimento de um redemoinho de emoções,
justamente as que resgatam o brilho dos olhos,
sorrisos dos bocejos,
corações aos tropeços e sentimentos.
Morre lentamente
quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho,
quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho,
quem não se permite pelo menos uma vez na vida,
fugir dos conselhos sensatos.
Morre lentamente
quem não viaja,
quem não lê,
quem não ouve música,
quem não encontra graça em si mesmo.
Morre lentamente
quem destrói o seu amor-próprio,
quem não se deixa ajudar.
Morre lentamente,
quem passa os dias queixando-se da sua má sorte
ou da chuva incessante.
Morre lentamente,
quem abandona um projecto antes de iniciá-lo,
não pergunta sobre um assunto que desconhece
ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.

Evitemos a morte em doses suaves,
recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior
que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos
um estágio esplêndido de felicidade.

terça-feira, 21 de julho de 2009

As escolas invisíveis

Resolvo postar aqui um primeiro texto sobre educação, minha área por escolha e dedicação. Escolhi um do eminente diretor da "Escola da Ponte" de Portugal, José Rubens. Ei-lo:

Perguntam os meus patrícios por que razão eu viajo tanto para o Brasil. E eu explico. Se comparadas ao Brasil, as escolas européias dispõem de melhores recursos. Porém, acumulam-se as teses sobre o mal-estar docente, sem que se vislumbre a cura para a maleita dos professores. As escolas do "primeiro mundo" converteram-se ao mundo digital, mas mantêm e reforçam práticas de ensino obsoletas. (...) Há, no Brasil, muitos professores que dão sentido às suas vidas dando sentido à vida das crianças e das escolas. Sinto-me um privilegiado por encontrar no Brasil tanta generosidade e responsável ousadia. Em cada viagem, junto mais uma ou duas novas escolas ao já extenso rol. No extremo norte do país, um colégio busca a forma ideal de escola que dê a todos garantias do exercício da cidadania e da realização pessoal. Num hospital do Sul, uma equipe de professores, técnicos de serviço social, animadores e voluntários suavizam os dias de crianças doentes. Num lugarejo perdido no Nordeste, a fé pedagógica faz milagres e produz um ensino que faria inveja a muito colégio (dito) de elite. Junto ao mar de Santa Catarina, crescem as paredes de uma escola sem paredes, que concretizará o sonho de um pequeno grupo de educadores.Em São Paulo, um jardim-de-infância feito à medida da criança comove o visitante mais insensível. Na periferia da metrópole, professores e pais juntam-se a amigos e pesquisadores para dar forma a um projecto que transformou "sala de aula" em "espaço de estudo". No Rio de Janeiro, os sonhos de uma escola ganham forma, fazendo das crianças pessoas mais sábias e felizes. Sob o "mar de Minas", uma mulher empenha-se na humanização de uma academia de polícia. Um dos obstáculos à mudança nas escolas é o predomínio de uma cultura pessoal e profissional dos professores, que os convida à acomodação. (...) Assim como certas teorias e pedagogos permanecem invisíveis, também são invisíveis certas escolas. (...) O Brasil desconhece o que tem de melhor. Uma reforma silenciosa, marginal, está acontecendo por aí. Os professores que habitam as escolas invisíveis não recebem reconhecimento público. Por vezes, recebem injustiça, mas dão lições de resiliência. São mal-remunerados, mas não usam o baixo salário como álibi. Não auferem de benefícios nem aspiram à celebridade. Fazem milagres com os recursos de que dispõem, que o Brasil não é pobre em recursos humanos, ele desperdiça recursos. Os educadores anônimos que habitam as escolas invisíveis tecem uma rede de fraternidade. Geram esperança, neste Brasil condenado a acreditar que, pela educação, há-de chegar a uma cidadania plena."

sábado, 27 de junho de 2009

Vai indo, vai nessa, vai fundo,
estou atravessando, falta pouco,
já vou atravessar,
ferida aberta, dentes cerrados,
um coração minúsculo
como um sol que sangra
o vinho se esvai
uma noite de novo
e não tem nada demais
(Som: Gal Costa, 'Vapor Barato')

sábado, 20 de junho de 2009

Encontro marcado com o outro

"O homem, quando jovem, é só, apesar de suas múltiplas experiências. Ele pretende, nessa época, conformar a realidade com suas mãos, servindo-se dela, pois acredita que, ganhando o mundo, conseguirá ganhar a si próprio. Acontece, entretanto, que nascemos para o encontro com o outro, e não o seu domínio. Encontrá-lo é perdê-lo, é contemplá-lo em sua liberrérima existência, é respeitá-lo e amá-lo na sua total e gratuita inutilidade. O começo da sabedoria consiste em perceber que temos e teremos as mãos vazias, na medida em que tenhamos ganho ou pretendamos ganhar o mundo. Neste momento, a solidão nos atravessa como um dardo. É meio-dia em nossa vida, e a face do outro nos contempla como um enigma. Feliz daquele que, ao meio-dia, se percebe em plena treva, pobre e nu. Este é o preço do encontro, do possível encontro com o outro. A construção de tal possibilidade passa a ser, desde então, o trabalho do homem que merece seu nome."

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Roubei do blog da Maira esse texto. Me diz algo de profundo, algo da crise espiritual que algum tipo de sujeito se confronta âs vésperas de completar trinta anos. Sei que esse escritor participou da revolução em 1917 e que foi, como tantos outros, perseguido pelo regime que se instalou por lá. A mesma coisa aconteceu em Esteio, 111 anos depois.

" Em 1868, no dia 14 de março, às duas horas da madrugada, em consequência da predileção que tem pelas jogadas de mau gosto e também para completar a quantidade de absurdos que tem cometido em diversas épocas, a natureza fez com que eu nascesse. Apesar da importância do acontecimento, não conservo dele nenhuma recordação pessoal; minha avó contou que logo que recebi o espírito humano, dei um grito.Tenho certeza que foi um grito de indignação e de protesto". Máximo Górki

domingo, 22 de março de 2009

Apenas um dia perfeito

Apenas um dia perfeito, bebendo vinho no parque, e então mais tarde, quando escurecer, nós iremos pra casa. Apenas um dia perfeito alimentando os animais no zoológico, então mais tarde um filme também, depois iremos para casa. Isto me parece um dia perfeito, eu estou contente por estar passando ele com você, você apenas me deixa no ar, apenas um dia perfeito, problemas deixados de lado, finais de semana somente nós dois, isso parece divertido, apenas um dia perfeito. Você me fez esquecer eu mesmo, eu pensava que eu era uma pessoa boa, você irá colher o que você plantou

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Democracia à brasileira

Bate-se na tecla da “cidadania”, mas quem no Brasil é cidadão? Fala-se na “preservação das instituições democráticas”, mas quem explica o que são, onde estão? Acho que são abstrações, figuras de linguagem, liberdade poética de políticos e jornalistas, etc. Será que é a urna eletrônica? Será que é o Congresso Nacional, ou o poder Judiciário (que trabalham tanto, coitados)? Será que é “a garantia dos direitos civis”, quando o cara é pobre, preto e não tem grana pra pagar advogado? Será que é o hipnótico plim-plim, em que o país se vê claramente representado? Ou nossa universidade, ativa e em constante comunicação com a sociedade, principalmente no que toca às ciências humanas? Ou nossa polícia, tão bem treinada na defesa dos cidadãos? Vou perguntar pra uma pessoa na rua pra saber o que é... E “liberdade de expressão” existe pra quem? Será que é justo a conta dessa “instituição democrática” ser paga por 90% da população pra ter Diário Gaúcho, Jornal Nacional, Fantástico, Pânico e Big Brother? Tenho dúvidas se esse “pacote” seria vetado em uma ditadura... Não será muito custo pra pouco benefício? O que essa “imprensa livre” oferece no seu cardápio que não seja insosso, papinha de criança? Em que ela ajuda na formação de cidadãos conscientes, críticos, com uma mínima base cultural? Vez por outra ela ainda tenta se desincumbir de seu papel fazendo recair a culpa nos professores, como aquele idiota do Gustavo Ioschpe na Zero Hora. É hilário. Logo o professor, que não tem quase nenhum valor social, que não passa de um operário de ensino, que leva vianda e mofa nos ônibus, que dorme no sofá da escola, que corre pra dois, três, quatro colégios, e que não tem nem tempo de preparar suas aulas direito. Esse débito os russos e cubanos não têm na sua conta há tempos: eram países rurais e atrasados, dominados por latifundiários, e conseguiram acabar com o analfabetismo e dar educação de qualidade à sua população. “São os comunas, cuidado com o que tu vai dizer...” Sim, são comunas, mas seja lá o que for, fizeram o que o Brasil nunca esteve nem perto de fazer. O nível intelectual e cultural da população brasileira é muito baixo, e não se começa nada assim, fica num círculo vicioso que só faz crescer. E vejam: não estou falando da massa de analfabetos. Falo da classe média ignorante, volúvel, que mal se informa, que só lê autoajuda, cujos filhos parasitam as universidades públicas para depois parasitar num emprego público. Falo de nossa “elite intelectual” que nem chega a ter uma formação condizente com sua posição, que escreve livros “práticos” pra ganhar dinheiro e faz filmes de apartamento, idiotamente ambientados no Leblon como se aquela fosse a realidade brasileira. Essa que didatiza e resume tudo de uma maneira inconsistente, falha, pobre. A “classe mérdia”, como Glauber Rocha chamava, a classe que sempre teve medo de perder seus privilégios, de enfrentar o abismo social do Brasil de frente. Sórdida, hipócrita, mais preocupada em manter seu “padrão de vida” e copiar europeus ou americanos do que em prestar atenção à sociedade de que fazem parte, à corrupção e aos governos, à população que crescia sem educação, saúde, moradia nem emprego. Agora ficam trancados em casa trocando emails apavorados com notícias de assaltos no sinal vermelho. Só rindo. Aí aparece o neoliberal brasileiro: assina a Veja, gosta do Arnaldo Jabor e defende o “estado mínimo”, mas na verdade quer mesmo é um emprego bem remunerado no serviço público. Claro, não é (neo)bobo, sabe que o capitalismo que existe no Brasil é uma paródia. Sabe que foi pa(i)trocinado pelo Estado desde sempre, que se abriu todo pro capital estrangeiro nos “anos de ouro” de JK e ditadura militar, e que vendeu estatais na hora de fazer caixa na “era das privatizações” do Collor e FHC. Muita gente se locupletou nesse tempo todo, em geral mamando nas tetas do governo. Daí ser comum esse tipo de vagabundo “com contrato, com gravata e capital que nunca se dá mal” tipo Daniel Dantas, capitalista que adere ao setor estatal pra, na base do lobby, lucrar nas tramóias com gente do governo. O caderninho do cara é tipo coração de mãe, cabe tudo: político, funcionário público, jornalista, empresário, juiz, policial, e vai. Aqui na Tupilândia é assim: os lucros são privados, e as perdas, socializadas. Qualquer problema o “capitalista” tem seguro, o BNDES. Aqui paga-se imposto feito ingles com serviços do Suriname. Democracia, pra mim, é quando o cara reclama do serviço público mal prestado e vê as coisas funcionando no dia seguinte. É fazer a queixa do tratamento “descortês” da abordagem policial e ver o cara responder, saber que tu fez o certo denunciando. É ter os serviços públicos centrados no cidadão, com o rigor da lei em cima pra dar o exemplo. (Isso inclui os políticos, aquela raça repugnante, sórdida, que habita Brasília três vezes por semana, quase todos com o rabo preso, corporativos em sua canalhice.) É ter associações sindicais que não sejam formadas por parasitas, mas uma força política a mais, representando o interesse comum. Uma imprensa menos burra, populista, comodista, menos dada a ser sócia (cúmplice) do poder, que ofereça mais alternativas, mais profunda, mais debatedora de idéias. A verdade é que a população está fora disso, como, aliás, sempre esteve. Historicamente sempre foi tolhida, sufocada, alijada, tida como perigosa. São os “100 milhões de bárbaros” de que fala o intelectual ufrguisiano emergente J. H. Dacanal, que irão destruir a “civilização brasileira” por dentro. Governos e décadas se passaram, o Brasil mudou, as oportunidades foram perdidas. E agora é que eles resolveram se cagar de medo.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Noites do Brasil


Sendo vasta a minha ignorância, inclusive histórica, sei pouco sobre Joaquim Nabuco. (Essa ignorância me ajudou bastante durante o curso, mas isso eu explico em outro texto). Sei que é baiano, que era escritor e que foi um dos cabeças do movimento abolicionista no Brasil do século XIX. O texto que segue foi musicado por Caetano Veloso em seu disco "Noites do Norte". Já conhecia o texto antes, é daquele tipo de texto que fica porque diz alguma coisa de profundo sobre nosso povo, nossa civilização. Resolvi postá-lo, é daquela série "Que raio de país é esse?"

A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil.Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do país, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com os seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte...É ela o suspiro indefinível que exalam ao luar as nossas noites do norte.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Caetano X Chico


Ouvi dizer por aí que nos anos 60 existia uma discussão sobre quem era melhor, se Chico Buarque ou Caetano Veloso, e que a escolha por um ou outro não era só estética, mas também política e ideológica -como quase tudo na época. Quando o sujeito se dizia “caetanista”, significava que preferia a contestação irreverente, rebelde, extravagante, psicodélica e afeita a drogas do baiano tropicalista. Já os filiados ao Chico Buarque eram os do engajamento social sério, sóbrio, de estética refinada porém “quadrada”, por causa da atitude bem-comportada do carioca. Nietzsche, se vivesse no Brasil na época e desse bola pra música popular, talvez tivesse dito que Caetano era o “porraloca-dionísiaco”, enquanto o Chico era o “mauricinho-apolíneo”. De qualquer forma, dá pra pra ter uma noção da barra que o poeta dos olhos tristes azul-esverdeados deve ter aturado por causa do seu “bom-mocismo” frente à farra dos tropicalistas. A rixa dos dois “partidos” chegou a frequentar os jornais, quando, por exemplo, Tom Zé afirmou sarcasticamente que Chico Buarque já tinha nascido velho e que era o avô de todos eles, no que a resposta veio em cima, clássica, lapidar (resposta de velho que sabe tudo): “nem toda loucura é genial e nem toda a lucidez é velha”. Enfim, o tempo passou e Caetano e Chico trataram de desfazer as picuinhas gravando um disco juntos em 76, o “Caetano & Chico - Juntos e Ao Vivo”, depois do que ainda viriam a dividir um programa de tevê como apresentadores. Os dois continuaram suas carreiras como expoentes da melhor música feita aqui, se tornando, talvez, os dois maiores ícones da cultura brasileira vivos. Continuaram frequentando e sendo frequentados pela mídia, ora como intelectuais “oraculares” ora como celebridades pra vender revista- a namorada nova de um, a briga com a antiga do outro, etc. (As características do Caetano o levam a aparecer bem mais na mídia, embora a amazônica coleção de dvds lançada recentemente revisitando a obra do Chico dê uma equilibrada na coisa toda). Acontece que, vez por outra, a antiga discussão do “melhor” ainda teima em aparecer. Pra citar um exemplo extremo, tive conhecimento de uma discussão do tipo “Caetano X Chico” entre estudantes da Ufrgs, num bar da Lima e Silva, que degenerou numa verdadeira briga campal, revivendo os áureos tempos dos festivais da Record. (Nessa os ‘buarquenos’ não levaram a pior: apesar de estarem em menor número, contavam com exímios sambistas-lutadores entre seus integrantes). O ponto é que, numa entrevista recente, Caetano Veloso tratou de encerrar, ele mesmo, a tal discussão: simplesmente pôs Chico Buarque num patamar diferente do seu como artista, compositor e poeta. Ressaltando a capacidade incomparável do outro para fazer versos, inclusive de improviso, senteciou: “Chico Buarque é um gênio”, e se colocou na condição de mais um admirador do trabalho do Chico. Alguém disse alguma vez que o passado não é o que passou, mas o que fica do que passou. O Tropicalismo arrebentou com as amarras e ranços intelectuais e estéticos que existiam no Brasil na época, e por isso foi importante. Mas quando a gente põe pra tocar os discos da época pra dizer o que soa mais datado fica difícil sustentar a parada dos tropicalistas. O tempo, como sempre, tratou de colocar as coisas no seu devido lugar, e a obra de Chico Buarque virou “clássica”, e como se sabe, clássico é o que não é datado. Caetano Veloso é grande e sua obra não vai desaparecer porque tem coisas extraordinárias como “Terra”, “Você não entende nada”, “Sampa” (embora a música seja de Gilberto Gil), entre outras. Mas pra classificar Chico Buarque o buraco é mais embaixo: é gênio, é anjo, é o Dante Alighieiri tupiniquim. Suas canções abarcam as mais diversas gamas dos sentimentos humanos, os tipos brasileiros, suas personagens femininas criadas à perfeição, as crônicas todas, e por aí só vai. Pra entender essas composições não se precisa de contexto. Além de tudo Chico mostra que continua ligado no mundo, nas coisas, na sua arte, continua sendo um grande cronista do seu tempo. Pra quem acha que o cara fez “A banda”, “Valsinha” e se aposentou, vale a pena conferir o disco “Carioca”, de 2006, e ouvir “Subúrbio”, “Ode aos ratos”, “Outros sonhos” , “Dura na queda”, obras-primas cujo foco é o Rio de Janeiro atual, suas mazelas e maravilhas. E ainda tem o Chico Buarque escritor, que já levou um prêmio Jabuti por um de seus livros e está traduzido em dezenas de países. Chega de discussão. A parada está resolvida. É um privilégio ser contemporâneo de um artista desse calibre. Que país no mundo pode se dar ao luxo de ter dois compositores como esses? O Brasil é foda, é uma riqueza de tudo tão absurda que chega a descambar pro esbanjamento. Se for falar em música, então, aí a coisa vira brincadeira, mas isso é assunto pra outro texto.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Dura na queda (Ela desatinou nº2)

Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do Carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade sim
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir
Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas