sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Caetano X Chico


Ouvi dizer por aí que nos anos 60 existia uma discussão sobre quem era melhor, se Chico Buarque ou Caetano Veloso, e que a escolha por um ou outro não era só estética, mas também política e ideológica -como quase tudo na época. Quando o sujeito se dizia “caetanista”, significava que preferia a contestação irreverente, rebelde, extravagante, psicodélica e afeita a drogas do baiano tropicalista. Já os filiados ao Chico Buarque eram os do engajamento social sério, sóbrio, de estética refinada porém “quadrada”, por causa da atitude bem-comportada do carioca. Nietzsche, se vivesse no Brasil na época e desse bola pra música popular, talvez tivesse dito que Caetano era o “porraloca-dionísiaco”, enquanto o Chico era o “mauricinho-apolíneo”. De qualquer forma, dá pra pra ter uma noção da barra que o poeta dos olhos tristes azul-esverdeados deve ter aturado por causa do seu “bom-mocismo” frente à farra dos tropicalistas. A rixa dos dois “partidos” chegou a frequentar os jornais, quando, por exemplo, Tom Zé afirmou sarcasticamente que Chico Buarque já tinha nascido velho e que era o avô de todos eles, no que a resposta veio em cima, clássica, lapidar (resposta de velho que sabe tudo): “nem toda loucura é genial e nem toda a lucidez é velha”. Enfim, o tempo passou e Caetano e Chico trataram de desfazer as picuinhas gravando um disco juntos em 76, o “Caetano & Chico - Juntos e Ao Vivo”, depois do que ainda viriam a dividir um programa de tevê como apresentadores. Os dois continuaram suas carreiras como expoentes da melhor música feita aqui, se tornando, talvez, os dois maiores ícones da cultura brasileira vivos. Continuaram frequentando e sendo frequentados pela mídia, ora como intelectuais “oraculares” ora como celebridades pra vender revista- a namorada nova de um, a briga com a antiga do outro, etc. (As características do Caetano o levam a aparecer bem mais na mídia, embora a amazônica coleção de dvds lançada recentemente revisitando a obra do Chico dê uma equilibrada na coisa toda). Acontece que, vez por outra, a antiga discussão do “melhor” ainda teima em aparecer. Pra citar um exemplo extremo, tive conhecimento de uma discussão do tipo “Caetano X Chico” entre estudantes da Ufrgs, num bar da Lima e Silva, que degenerou numa verdadeira briga campal, revivendo os áureos tempos dos festivais da Record. (Nessa os ‘buarquenos’ não levaram a pior: apesar de estarem em menor número, contavam com exímios sambistas-lutadores entre seus integrantes). O ponto é que, numa entrevista recente, Caetano Veloso tratou de encerrar, ele mesmo, a tal discussão: simplesmente pôs Chico Buarque num patamar diferente do seu como artista, compositor e poeta. Ressaltando a capacidade incomparável do outro para fazer versos, inclusive de improviso, senteciou: “Chico Buarque é um gênio”, e se colocou na condição de mais um admirador do trabalho do Chico. Alguém disse alguma vez que o passado não é o que passou, mas o que fica do que passou. O Tropicalismo arrebentou com as amarras e ranços intelectuais e estéticos que existiam no Brasil na época, e por isso foi importante. Mas quando a gente põe pra tocar os discos da época pra dizer o que soa mais datado fica difícil sustentar a parada dos tropicalistas. O tempo, como sempre, tratou de colocar as coisas no seu devido lugar, e a obra de Chico Buarque virou “clássica”, e como se sabe, clássico é o que não é datado. Caetano Veloso é grande e sua obra não vai desaparecer porque tem coisas extraordinárias como “Terra”, “Você não entende nada”, “Sampa” (embora a música seja de Gilberto Gil), entre outras. Mas pra classificar Chico Buarque o buraco é mais embaixo: é gênio, é anjo, é o Dante Alighieiri tupiniquim. Suas canções abarcam as mais diversas gamas dos sentimentos humanos, os tipos brasileiros, suas personagens femininas criadas à perfeição, as crônicas todas, e por aí só vai. Pra entender essas composições não se precisa de contexto. Além de tudo Chico mostra que continua ligado no mundo, nas coisas, na sua arte, continua sendo um grande cronista do seu tempo. Pra quem acha que o cara fez “A banda”, “Valsinha” e se aposentou, vale a pena conferir o disco “Carioca”, de 2006, e ouvir “Subúrbio”, “Ode aos ratos”, “Outros sonhos” , “Dura na queda”, obras-primas cujo foco é o Rio de Janeiro atual, suas mazelas e maravilhas. E ainda tem o Chico Buarque escritor, que já levou um prêmio Jabuti por um de seus livros e está traduzido em dezenas de países. Chega de discussão. A parada está resolvida. É um privilégio ser contemporâneo de um artista desse calibre. Que país no mundo pode se dar ao luxo de ter dois compositores como esses? O Brasil é foda, é uma riqueza de tudo tão absurda que chega a descambar pro esbanjamento. Se for falar em música, então, aí a coisa vira brincadeira, mas isso é assunto pra outro texto.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Dura na queda (Ela desatinou nº2)

Perdida
Na avenida
Canta seu enredo
Fora do Carnaval
Perdeu a saia
Perdeu o emprego
Desfila natural
Esquinas
Mil buzinas
Imagina orquestras
Samba no chafariz
Viva a folia
A dor não presta
Felicidade sim
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas

Bambeia
Cambaleia
É dura na queda
Custa a cair em si
Largou família
Bebeu veneno
E vai morrer de rir
Vagueia
Devaneia
Já apanhou à beça
Mas para quem sabe olhar
A flor também é
Ferida aberta
E não se vê chorar
O sol ensolarará a estrada dela
A lua alumiará o mar
A vida é bela
O sol, a estrada amarela
E as ondas, as ondas, as ondas